Apago a luz.
E deixo a Noite entrar.
Ela vem solitária, sem lua e sem estrelas...
Um cigarro ganha vida e uma brasa atrevida desafia a escuridão.
Por alguns minutos meu quarto se resume à um ponto luminoso.
Uma ferida aberta ou uma luz no fim do túnel?
O atrevimento morre no cinzeiro antes mesmo de saber a resposta.
A luz continua apagada.
E para não afugentar a Noite acendo uma vela.
O fogo me hipnotiza.
A chama chamando... a mente mentindo...
A dor dourando o dormitório.
O calor calando calafrios.
Um redemoinho de pensamentos gira sem parar...
Tragando tudo o que está ao seu alcance.
E entre um trago e outro vem a tontura (ou seria tortura?)
Uma sensação de embriaguez invade.
É inútil fechar os olhos para buscar alívio.
(A náusea não tem medo do escuro...)
É preciso vomitar, regurgitar, expelir, expulsar...
Mas não consigo... e tudo continua girando...
Parem o mundo que eu quero descer!!! (diria Raul Seixas)
O estômago embrulhado... (e o mal estar continua)
O peito embrulhado... (e o mal estar continua)
A cabeça embrulhada... (e o mal estar continua)
O corpo inteiro embrulhado...
Como uma caixa vestindo um papel de presente.
Já não sou mais eu...
Sou um pacote a ser entregue à mim mesmo sem direito à troca.
Rasgo o embrulho com uma certa ansiedade.
E quando abro a caixa, eu me vejo em pequenos pedaços.
Um quebra-cabeça bastante singular.
Peças que montam um grande espelho.
(Por que sempre recebo presentes tão estranhos?)
Porém, um quebra-cabeça também é uma forma de diversão.
Portanto, nada de ser tão rigoroso, nada de cobranças pesadas demais.
O sucesso se encontra justamente no próprio ato de brincar.
Leveza de espírito é o peso que faz a diferença.
Quando todas as peças se encaixarem, poderei me ver por inteiro.
Sorrir por inteiro... chorar por inteiro... sentir por inteiro...
Ser inteiro!
A vela dá o último suspiro e se despede.
Outro cigarro ganha vida.
Mais uma vez, um ponto luminoso desafia a escuridão.
Antes, uma ferida aberta.
Agora, uma luz no fim do túnel.
Amanhã, quem sabe, um pedacinho de Sol...
Quando me deito, o corpo se rende.
E quando fecho os olhos, cacos de espelho substituem o redemoinho.
Tudo continua girando, mas agora, com a suavidade de um carrossel.
E é nesse embalo que todos os meus pedaços
adormecem ao mesmo tempo...
____________________________________________________________ by N.N.